quarta-feira, 27 de agosto de 2008

COLAPSO EM PAPEL CANSON

COLAPSO EM PAPEL CANSON

Igor Fagundes

eu te peço silêncio e ainda gritas. te criei sem molduras evitei esta jaula e agora te zangas. perdão por ter-te dado tanta liberdade. por não ter ousado sufocar-te algum dia atrás do vidro. prender-te na parede qual relógio sem pilhas ponteiros preso em qualquer prego. pronto. agora é pausa. te meço em meu silêncio e tu te irritas.

por isso te encolho (me encolho) enrolo tua pele-tela canson como se tu ou nós dois um pergaminho. escondo-te me escondo eu quero preciso esconder-me do dia em que te quis todo falta de bordas lápis de cera em tom suave quase giz em minha lousa. desespero de esquecer já é lembrar e me lembro da noite em que me quis artista de tua minha história.

te lembras? na iminência de nasceres eu ali fundindo-me em água saindo de um banho saía apenas com um terço de mim. o restante ido pelo ralo. calado o chuveiro depois a vez da toalha a me cercar a me roubar o pouco ainda do que eu era. rasguei-a rasguei o espelho para não me perder.

tu na espreita embaçado com frio cedi meu roupão à tua nudez. vinhas santo. em algum momento daquela alcova de azulejos no vapor da água quente circundante não sabíamos mais o quê ou quem se desenhava o quê ou quem crescia nu. e nós vestidos. meu roupão em teu corpo. teu corpo: meu roupão. ao desenhar-te teu desenho me abraçava qual toalha. vem. enxuga-me mas não me roubes eu te pedia e sonhei.

em ti inscritas cores mas tudo vinha em som e saturado de sentido ou sem sentido qual trama textual de mil e sete metáforas. o poema mais lúgubre no centro de teu sexo. tocata em fuga nos teus olhos. corpo em marcha estático rumando ao nada. não conheço a palavra-síntese de todas que frente ao meu asco-alegria me pediam silêncio e eu gritava. ironia? mas agora me zango. porque não me quis em molduras não te prendi em nenhuma e tu me enjaulavas. quanto mais libertos nós mais extensas as tocatas novas marchas velhas fugas nossos sexos sem centro tudo lúgubre e textual em meus olhos com mil nadas rumo ao estático da síntese.

vês que as palavras se embaralham? permutam o jogo sem vitória? ainda queres brincar de vida? então te estendo oferto o vidro o prego as cercas de madeira. uma parede. serás-seremos relógio. te dou um tempo. dá-me algum também para acostumar a ver-te como o ralo a água do chuveiro a toalha o espelho rasgado as mãos nervosas sobre a pia. esse rastro de azulejos e vapor traduzido em pastel no papel canson. mas antes pausa. rabisca-me. apaga-te. começa-me de novo.

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