quinta-feira, 14 de agosto de 2008

ALÉM DO ALTO

ALÉM DO ALTO

Igor Fagundes


Mamãe dava adeus e me custava acreditar que era verdade. Está dormindo, pensei. Dorme e sonha. Sonha comigo. Depois volta! Eu tentava prever dentro de mim, ouvindo uma reza de desejos e promessas a afagar-me sem dizer qualquer palavra. Ânsia de ver meu sorriso refletido na ponte de seus olhos (Por que não os abre logo? Acorda, anda, vamos, mamãe!). Desespero de ouvir mais uma vez, como se a primeira fosse – e não a última –, o timbre rouco da voz agora muda. Desvelar vôos e pousos, reencontrar-nos, eu e papai, com o azul imerso em cada pálpebra. No azul emerso longe, em algum rosto de céu que trouxesse a dorminhoca por momentos, sem lembrar aquele cinza a trovejar, que nós temíamos.

Pedi a papai que interrompesse o choro: ele nunca chorava, nunca chorou e o gesto fazia-me crer no que nenhum dos dois queria. Mas eu magro, magrinho e baixinho, baixinho e franzino, franzino e moleque, apenas o filho. Normal não me atender! Continuou. Onde mamãe para dar jeito no rebelde? Arrume-se! Ordenou-me em sussurro. Sua mãe precisa ir e nós vamos levá-la, avisou. Para onde? Perguntei. Ninguém sabia.

Cristo na cruz por todos os lados. Buquês de flores por cima dos túmulos. Um pássaro riscava o terreno. E o silêncio. Um risco à frente: o cemitério – será que voltamos? A família em marcha (será que volta?), uma pipa no céu (parece que dança!). O caixão descendo e a pipa distraída, o caixão descendo e a pipa mais acima, o caixão descendo e a pipa lá no alto, ele descendo e a pipa além do alto, meus olhos oscilando entre as imagens, tudo em sincronia, o mesmo evento. Hesitei: as mãos de quem guia a pipa rumo às nuvens? Cristo em cruz por todos os lados. Buquês de flores por cima dos túmulos. As nuvens lembrando buquês. A linha da pipa nas mãos de quem?

Em mãos de quem se, de repente, a pipa punha-se a pender do céu! Tentei correr para buscá-la, papai prendia-me em braços nada firmes e eu, liberto, então corri e corria correndo pois... Se for mamãe? Se for mamãe a vir do alto, enquanto o corpo já abaixo de nós todos!? Talvez precisem exumá-lo. Talvez mamãe desperta do tal sono e agora presa, aflita, a pipa me avisava, me chamando, me acenando e eu corria. Vai que tomba sobre o chão, se machuca nesse asfalto e o adeus se realiza? Ninguém me alcança! era a frase que eu lançava contra o vento, no mesmo ímpeto dos pés quase com asas. Olha o carro! Olha o carro! Alguém gritava e eu ouvia apenas meu apelo, a pipa próxima do chão, mamãe bem próxima do fim e eu querendo, querendo encontrar algum começo, a histeria das buzinas me oprimindo, um brado de gentes me tomando, meu círculo embaçado, o vidro pelos ares, partido, partindo-me, parti. E vi mamãe enroscada em mim qual rabiola.

Um comentário:

Anônimo disse...

me lembrou um tanto de "meu pé de laranja lima" e me fez refletir sobre o fato de que se você tivesse escrito o supracitado volume, seria muito mais genial.

meus costumeiros parabéns e um abraço =)